Em luto, um dia após a grande explosão que já deixou 135 mortos e mais de 5.000 feridos, a cidade de Beirute está bem longe de voltar à normalidade. Além dos que não sobreviveram à tragédia, dos que seguem internados em hospitais lotados e das possíveis vítimas ainda presas em escombros, a capital libanesa vai precisar lidar com mais de 300 mil desabrigados.
Com o sistema de saúde, já sobrecarregado pelo atendimento a pacientes contaminados pelo coronavírus, agora, a luta é também para conseguir prestar primeiros socorros às vítimas da explosão. Países como França, Alemanha, Turquia, Rússia, Qatar e Irã anunciaram o envio de assistência médica, profissionais de saúde, hospitais de campanha, equipamentos cirúrgicos e equipes de busca e salvamento.
“Mais da metade de Beirute está destruída ou danificada”, disse o governador Marwan Abboud. Autoridades libanesas ainda aguardam uma avaliação mais precisa feita por especialistas e engenheiros, mas o governador estima que os danos podem chegar a valores entre US$ 3 bilhões e US$ 5 bilhões (entre R$ 15 bilhões e R$ 23 bilhões). Chorando, Abboud comparou a destruição à causada pelas explosões nucleares em Hiroshima, 75 anos atrás. “A situação é apocalíptica. Beirute nunca viveu isso em sua história.” A mesma comparação foi evocada por outros sobreviventes que falaram à Agência de Notícias AFP.
“Parecia um tsunami, ou Hiroshima. Foi um verdadeiro inferno. Algo me atingiu na cabeça, e todos os objetos começaram a voar ao meu redor”, conta Elie Zakari, morador do bairro de Mar Mikhael, famoso por seus bares noturnos e que se encontra voltado para o porto. “É um massacre. Fui para a varanda e vi gente gritando, ensanguentada. Estava tudo destruído”.
A intensidade das explosões chegou a ser detectada pelo Serviço Geológico dos Estados Unidos – USGS, que monitora atividades sísmicas em todo o mundo. O impacto em Beirute foi registrado como equivalente a um terremoto de magnitude 3.3. Segundo testemunhas, o estampido da explosão foi ouvido até na cidade costeira de Larnaca, no Chipre, a cerca de 200 km da costa libanesa. De acordo com o primeiro-ministro do Líbano, Hassan Diab, o incidente foi causado por 2.750 toneladas de nitrato de amônio estocadas na região portuária há seis anos “sem medidas preventivas”.
A substância é comumente usada como fertilizante, mas também na confecção de artefatos explosivos e pirotécnicos. De acordo com especialistas há risco de explosão se a substância entrar em contato com altas temperaturas, fogo, combustível ou alguma fonte de ignição, por exemplo. No epicentro da tragédia, o panorama é desolador: carros foram incinerados e lixeiras parecem latas de conserva retorcidas. Nas ruas de Beirute, soldados ainda retiram moradores atordoados, muitos ensanguentados, com camisas amarradas ao redor da cabeça para conter os ferimentos.
Paredes de prédios foram destruídas, janelas quebraram, carros foram virados de cabeça para baixo e destroços bloquearam várias ruas, forçando feridos a caminhar em meio à fumaça até hospitais. “Vi muitas cenas repugnantes”, conta Ibrahim Yousef, funcionário de uma loja no centro de Beirute.”Vi pessoas mortas, vi pessoas correndo e gritando enquanto carregavam seus filhos; pessoas que perderam seus filhos, outras procurando pela mãe. Foi horrível, foi difícil.”
O brasileiro Rajeh Merhi mora a 20 km do local da explosão, em Aley. Ainda assim, viu parte do teto de gesso da casa de sua mãe cair. O barulho fez com que pensasse se tratar de uma bomba jogada por um avião -talvez o início de uma guerra. O prédio de quatro andares tremeu, conta ele, que chegou a ouvir o barulho da explosão. Já debilitado por anos de dificuldades políticas e econômicas, o Líbano agora depende de ajuda internacional para tentar se reerguer.