O cientista político pernambucano Jorge Zaverucha vem estudando há décadas a relação entre militares x sociedade civil do Brasil. É autor de vários livros sobre o tema, como o “Rumor dos Sabres” (1994) e “Frágil Democracia” (2000). Em seus escritos há uma preocupação explícita e constante sobre a falta de controle civil sobre os militares, como acontece nas democracias mais sólidas do Ocidente.
No caso do Brasil, isso não vem acontecendo, mesmo com o fim do regime militar em 1985 e depois com a redemocratização do País.
Na última intervenção direta dos militares na política, como é de conhecimento público, o general Leônidas Pires Gonçalves, ministro do Exército no governo Sarney, interveio na Constituinte (1988) para que não fosse retirado o artigo que possibilitaria constitucionalmente o pronunciamento das Forças Armadas, para coibir excessos de qualquer um dos Três Poderes da República – Executivo, Legislativo e Judiciário. É o artigo 142 que permite esta intervenção.
Esse artigo constitucional vem sendo objeto de estudos de acadêmicos, inclusive por Zaverucha, juristas, magistrados e políticos. Mas continua lá, imexível, na Carta Magna. E serve de motivo de ameaça ao mau comportamento dos poderes. Porque, quando procurada as Forças Armadas por um poder queixoso de outro, a decisão de agir e como agir é do comando militar. Se imagina como pode começar, mas não se sabe como vai acabar.
No seu artigo para o jornal digital O PODER, Jorge Zaverucha lembrou muito bem que os constituintes cederam e mantiveram o papel de guardiões das Forças Armadas. Os militares não abriram nem abrem mão de seu poder autônomo de tutelar o País adquirido desde os primórdios da República.
Segundo ele, “o comportamento militar é politicamente autônomo quando os militares têm objetivos políticos próprios que podem ou não coincidir com os interesses de outros grupos políticos, e a capacidade institucional de executá-los, em detrimento de regras democráticas que proíbam a consecução destes mesmos objetivos.
Por esta definição de autonomia, que não é o poder moderador, abre-se a possibilidade das Forças Armadas não apenas proteger a sociedade, mas procurar defini-la de acordo com a visão castrense do que é o melhor para ela”.
Explica o cientista político no artigo de O PODER que “no fundo, a luta pela manutenção do artigo 142 deve-se ao fato dele definir quem estabelece o controle social do país em situação de crise. E os interesses das Forças Armadas nem sempre coincidem com os do Executivo, Legislativo e Judiciário. As Forças Armadas querem um passaporte legal que assegure a prevalência de seus interesses. E os civis garantiram isto na Constituição de 1988”.
De fato, a observação de Zaverucha é clara: há uma diferença grande entre os desejos de uma sociedade civil e os militares. Em todos os episódios importantes da história do Brasil a presença das Forças Armadas foram marcantes e influentes, desde a Proclamação da República (1889) até agora. E talvez por temor, timidez ou oportunismo os civis se submeteram à “ordem unida”.
Em todo esse período histórico até a redemocratização em 1985 os militares mantiveram, paralelamente à conspiração de golpes, uma atividade intelectual, com publicação de livros e estudos, que permitia aos civis uma identificação dos objetivos políticos das Forças Armadas, equivocados ou não.
O general Golbery do Couto e Silva, por exemplo, uma espécie de mentor intelectual do regime militar de 1964, fez da Escola Superior de Guerra um centro de estudos e debates geopolíticos. Publicou livros e orientou presidentes que se sucederam nos 21 anos de ditadura.
Quando Zaverucha destaca no seu artigo a predominância da agenda própria dos militares de agora vem a pergunta chave deste comentário: o que pensam esses militares que passaram mais de 30 anos sem visibilidade política ou protagonismo, vivendo nos quartéis sob o comando de ministros da Defesa esquerdistas, com referências anteriores do regime de 1964, como o ódio aos soldados?
Não se viu até agora a difusão pública de escritos ou reflexões de generais sobre esses anos políticos e, especificamente, sobre o que acontece agora. Isso, contudo, não quer dizer que não estão ativos e ligados nos acontecimentos. E novamente a pergunta: o que eles pensam e não externam? A sociedade civil quer saber a resposta. É isso.
Por Antonio Magalhães – jornalista