GILBERTO FREIRE É CANCELADO

O sociólogo e escritor Gilberto Freyre (1900-1987), autor do célebre Casa Grande e Senzala, abriu a lista de “cancelados” ainda no século passado. Foi uma vítima da temporada de caça aos intelectuais inteligentes e independentes, como ele.

Com obras marcantes dos anos 1930 até sua morte, as “panelinhas” das universidades brasileiras, principalmente da USP, se negaram a estudá-las. As referências principais vieram de colleges estrangeiros e da Universidade de Columbia (EUA). Freyre foi condenado por seus pares ao silêncio, mas nunca aceitou o cancelamento, nem deixou ser enquadrado dentro de ideologias.

Ele manteve-se ativo intelectualmente e só o Diário de Pernambuco lhe deu espaço para comentários. Freyre ainda teve tempo de criar o mais importante instituto de pesquisa social do Nordeste, hoje Fundação Joaquim Nabuco, deixando os “canceladores” babando de inveja.

Esta é uma história que as novas gerações precisam conhecer. O mundo “woke”, do pensamento único da esquerda, que boicota pessoas tidas como politicamente indesejáveis, como se viu acima, não traz novidades: é mais uma prática que deve ser combatida numa sociedade verdadeiramente democrática e, há décadas, prospera espalhando o ódio e a censura.

Diante da injustiça contra Gilberto Freyre, outro pernambucano ilustre, o dramaturgo, escritor e jornalista Nélson Rodrigues (1912-1980), saiu em sua defesa, na sua coluna de O Globo, do Rio. Numa das crônicas, nos anos 1960, incluída no livro O Reacionário, ele registra que o que se fazia com Gilberto Freyre na época era “sem nenhum disfarce, uma vileza inverossímil”.

Para Nélson, “só há um sujeito, que é um grande artista, cuja potência criadora não tem outra igual no Brasil: Gilberto Freyre. Não precisaria acrescentar uma linha a mais na sua obra excepcionalíssima. E por quê?”

Responde o dramaturgo: “Porque os intelectuais exigem dos intelectuais atestado de ideologia. Ou o artista é comunista, socialista, esquerdista, inocente útil, ou que outro nome tenha, e terá toda cobertura promocional. Mas se for um solitário, independente, um original, não terá uma linha em jornal nenhum. Dirão vocês que a inteligência de esquerda não manda nada. De acordo. Não tem poder, mas o exerce. As redações estão infiltradas. E assim as rádios. E assim a televisão”.

Como a militância de redações de hoje, Nélson relata o que acontecia na época com Freyre: “Qualquer notícia do grande autor de Casa Grande e Senzala vai para a cesta. Leiam os nossos jornais, as nossas revistas. Querem assassiná-lo pelo silêncio”.

Nesta crônica em O Globo (02.07.1969), Nélson relata o encontro com uma jovem estudante de Psicologia da PUC-Rio, um dos grandes centros de formação de militantes de esquerda, que lhe propôs assinar um manifesto de intelectuais. Na noite anterior, no mesmo bar Antonino, a jovem lhe disse que tinha horror de intelectuais.

“Sim, mudei de opinião”, conta a estudante zangada ao escritor. “Sempre achei Gilberto Freyre um fascista. E continuou: ninguém deve dar colher de chá a Gilberto Freyre. Ao reacionário, nem água”, esbravejou a estudante. “E olha aqui – completou a moça – você, Nélson, é outro reacionário”.

Nélson Rodrigues assegura, na crônica, que só assinaria um manifesto que dissesse mais ou menos assim: “Nós, intelectuais abaixo-assinados, queremos denunciar um crime contra a inteligência na pessoa do sociólogo Gilberto Freyre, um dos maiores artistas da nossa língua. E o pior: nós, os intelectuais, é que levantamos um muro de silêncio entre Gilberto Freyre e o Brasil. E os que são amigos da grande vítima, emudecem por covardia. Orai por nossa indignidade” etc. etc. etc.

As repetições ou continuidade de práticas de cancelamentos e boicotes são indignas de uma nação que quer ser democrática e podem levar à morte representantes de campo político adversário, como o influencer americano Charlie Kirk.

A atividade do gabinete do amor, que só destila ódio, é uma homenagem aos totalitários do momento, resumida numa frase pertinente do guru da esquerda global Karl Marx: “a história se repete, a primeira vez como tragédia e a segunda como farsa”. No caso do Brasil, vem sendo uma repetição sem fim de cancelamentos e perseguições. Farsas trágicas. É isso.

Antonio Magalhães Jornalista

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