O FINADOS DIGITAL: “NO FACEBOOK A MORTE NÃO É MOTIVO PARA ENCERRRAR UMA CONTA”

Houve um tempo em que só existiam imortais nas academias de letras. Uma confusão entre a imortalidade das obras literárias e os próprios autores. Hoje esse conceito de permanência atemporal das palavras deixou a literatura para se eternizar nas redes sociais.

No Facebook, por exemplo, a morte biológica do usuário não é motivo para que sua conta seja encerrada. Na maioria das vezes os parentes e amigos querem a sua continuidade, porque ali guardam lembranças de quem partiu. Comentários, atitudes, fotos podem ser revistos com saudade e lágrimas. Estarão lá até que um algoritmo maroto resolva extingui-los se não forem salvos na “nuvem” do Google Drive.

Essa questão surgiu por conta da morte de Laílson de Holanda, o genial cartunista, artista plástico e músico, ocorrida na madrugada da última terça-feira, em decorrência da Covid-19 – doença produzida pelo vírus chinês que matou milhões de pessoas no mundo. Depois desse evento nefasto certamente seus muitos amigos procuram sua página no Facebook. Lá viram os últimos informes da sua filha Isabela sobre a saúde do pai até o anúncio da morte.

Mais interessante foi percorrer seus posts, dos mais recentes aos mais antigos, que trazem comentários culturais, políticos e sociais. Um retrato da sua trajetória pessoal e profissional e o registro de críticas e desavenças, típicas das redes sociais. Talvez alguns desses que produziram ataques pessoais possam estar arrependidos pelos equívocos em relação à personalidade de Laílson.

As redes sociais com contas válidas de pessoas falecidas são verdadeiros diários pessoais sobre o que fizeram da sua vida. Na minha conta pessoal do Facebook, com uma taxa menor de amigos virtuais em relação a muitos usuários, encontrei 10 amigos com contas em aberto, incluindo Laílson.

Lá está a minha querida irmã Rosário, permitindo que eu revisite bons momentos da sua vida até a última viagem turística a Foz de Iguaçu, onde teve um AVC que a levou definitivamente. Quanta saudade!

E também em contas abertas no Facebook estão colegas contemporâneos do jornalismo, como Nagib Jorge Neto, o meu primeiro editor que a gente nunca esquece. A especialista em jornalismo turístico Ceça Brito, o simpático e eloquente Paulo Sérgio Scarpa, o virtuoso do Estadão Sandro Vaia e Toni Almeida, que levou eventos festivos e boas informações para casa de muitos telespectadores de Pernambuco.

As páginas de saudades do Facebook abrigam também o competente diretor de teatro Antonio Cadengue, meu professor de artes cênicas no curso de Jornalismo da Católica. Mais o pioneiro da informática em Pernambuco, Rildo Pragana, conhecido do colégio Marista na década dos anos 1960, quando computador era coisa de ficção científica.

E lá está ainda, o amigo mais analógico do que virtual Romero Duarte Ribeiro, da velha guarda que se adaptou aos tempos cibernéticos. Sei que o deixei frustrado por eu não aderir de verdade ao Rotary Club, uma vez que fui encaminhado por ele. Não combinava comigo, embora tivessem pessoas da mais alta qualidade. Creio que já fui perdoado a esta altura.

Como apregoa a civilização ocidental cristã, a morte – ponto final do organismo vivo que havia sido criado a partir do nascimento – é um momento de perdão. De reencontro com a melhor face dos falecidos e isto vem sendo proporcionado pelas redes sociais. Que continuem assim. É isso.

Por Antonio Magalhães – Jornalista

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